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Brincar é coisa séria!

João de Barro brinquedos
Bianca Martins
@infans_es

Na imensidão do útero, o bebê brinca. Nadando no líquido amniótico a gravidade não o achata, ele nada, e as dimensões o envolvem sem pressões, sem amarras. O bebê é um brincante. Lambe os dedos, ouve o batimento cardíaco da mãe e dança, dorme, se acalma. Puxa e solta o cordão umbilical e a placenta. Esses são seus primeiros objetos, seus primeiros brinquedos. Som, luz, movimento e dimensão. Um cenário mais que oportuno para brincar.

As relações humanas são constituídas a partir do jogo relacional que o bebê aprende e ensina aos seus cuidadores. Já nos primeiros meses após o nascimento o próprio corpo e o do outro é usado incessantemente como brinquedo. Dele recebe satisfação, acolhida.

little girl playing with wooden blocks at home
Brincar é coisa séria!
Foto via Pexels

As vezes brincar e brinquedo se confundem. O brincar é uma operação complexa. É ao projetar no mundo externo os elementos que povoam seu universo interno que a criança com poucos meses de nascida nos esboça seu modo de apreender o mundo. Para o bebê tudo é brincar e brinquedo. A voz, o peito, o leite, o corpo da mãe e do pai, todos esses externos vão constituindo experiências e permitindo a criança o ingresso no mundo onde tudo pode acontecer. É ao brincar que a criança elabora conflitos e fantasias inconscientes, desenvolve a capacidade de aprender, de controlar seus impulsos, lidar com seus medos e principalmente criar. O brincar é também uma poderosa forma de comunicação consigo mesma e com os outros.

Nas últimas décadas percebemos, infelizmente uma diminuição no tempo lúdico das crianças, principalmente no livre brincar. E o lúdico passou a ser reservado a uma função: a de entreter! De ocupar “o tempo vago”.  O brincar também foi substituído, na vida escolar das crianças por acumulo de informação.

As crianças de ontem não são as mesmas de hoje. A cada geração novas crianças surgem, mas a estrutura é a mesma, em sua essência, a necessidade vital de brincar. Infelizmente as crianças dessa geração estão confinadas às casas com pouco ou nenhuma possibilidade de transitar em ambientes ampliados e encontrar seus iguais além do espaço escolar. Nas cidades temos cada vez menos dispositivos sociais que congregam a coletividade: parques, praças, teatros com atividades para a infância.

O que testemunhamos é a veloz ampliação do uso dos gadgets e telas para passar o tempo, no lugar do brincar livre. A criança de criadora das brincadeiras, passa a ser agora telespectadora, colecionadora, consumidora passiva, apenas.

Uma das mais importantes funções do brincar é ele é a ponte entre a realidade e o imaginário das crianças. É com ele que os pequenos absorvem o mundo externo, transforma num exercício psíquico, os conteúdos aprendidos e apreendidos, em algo particular, em elemento também de seu mundo interno, ou seja, é brincando que introjetamos as leis, as regras, os modos de viver da cultura. Brincando vamos nos tornando gente, durante toda a vida, não apenas na infância.

Brincar serve como descarga de energia emocional. É ao brincar que a criança realiza seus desejos, testa hipóteses, domina medos e angustias, desenvolve seus modos de interação com as outras pessoas, conhece seus limites, elabora seus sentimentos, aprende a reconhecer, a controlar suas emoções e a superar traumas. Brincar serve para que a criança aprenda a fazer junto, a dividir, a ceder, a ganhar e a perder, a criar novas possíbilidades de ação individuais e coletivas, é função do brincar.

Ao brincar  nos surpreendermos com as formas com as quais nossos colegas lidam com uma mesma situação das mais diferentes formas. O brincar, a brincaderia, o brinquedo devem fazer parte do cotidiano de todos nós, não somente na infância. Sabe o seu brinquedo preferido, aquele que você tanto brincava quanto criança? Onde ele está? Espero que muito perto de você, para que não se esqueça de tudo o que aprenderam juntos, e que ainda podem aprender.

É muito importante para a experiência humana que possamos nos manter brincantes, criativos. Independente da idade que tenhamos. Com relação ao desenvolvimento cognitivo e dos processos de aprendizagem, o brincar é por excelência a ferramenta de encontro entre qualquer tipo de conhecimento construido e registrado, com o mundo interno das crianças.

 

Bianca Martins é graduada em Psicologia pela (Ufes), com especialização em Psicoprofilaxia em Medicina Fetal e Mestrado em Saúde Coletiva (UNIFESP/EPM). Psicanalista em formação permanete da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória. Atuou no SUS em Utin, Maternidade e Violência Sexual contra Crianças e Mulheres. Atualmente dedica-se ao consultório privado no cuidado emocional de gestantes, bebês e famílias e supervisão e formação profissional.

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